A partir da psicologia genética e da teoria sociointeracionista, vários autores ressaltam a importância da atividade mental no processo de aquisição do conhecimento, que deixa de ser visto como algo externo ao indivíduo, passando este a ser sujeito de suas representações. Assim, a aprendizagem, para ser significativa, implica sempre uma ação diante da situação posta, onde o indivíduo precisa elaborar hipóteses e experimentá-las a partir de aspectos afetivos, motivacionais e relacionais próprios. Toda aprendizagem está vinculada às possibilidades inerentes a cada fase do desenvolvimento, aos conhecimentos já sistematizados e à qualidade da relação com o saber a que o sujeito está submetido.
Daí, a importância tanto das interações como dos contextos de aprendizagem, onde o parceiro mais experiente (seja numa relação adulto-criança ou adulto-adulto) cria condições para que as hipóteses de seu par sejam testadas e ampliadas, estabelecendo conexões com seus conhecimentos prévios. Da mesma forma, embora sem intencionalidade explícita, a interação criança-criança também é uma rica fonte de revisão dos conhecimentos e hipóteses. Toda experiência em que o sujeito é capaz de estabelecer relações legítimas e substanciosas entre o conteúdo a que é exposto e os conhecimentos que já estão por ele estruturados deriva de um processo genuíno de construção de significados (MEC, 1998). Neste sentido, a educação assume um papel na mediação cultural, que depende da interação intergeracional para que o conhecimento construído socialmente e acumulado seja disponibilizado e transformado.
Estudos voltados para a aprendizagem na infância geralmente reconhecem a criança como agente ativo em seu processo de aprendizagem. Esses mesmos estudos consideram a forma como a criança atua sobre os objetos culturais e simbólicos, e o quanto esta aprendizagem está relacionada à influência dos adultos que convivem com ela (Teberosky, no prelo).
Em relação à aquisição e ao desenvolvimento da linguagem, por exemplo – área em que o Laboratório de Educação atua com maior ênfase, buscando produzir ferramentas e desenvolver metodologias para influenciar as práticas de todos aqueles que interagem com crianças –,
a linguagem do adulto é modelo a ser imitado, e são os adultos que repetirão, reformularão e expandirão o que as crianças dizem. Contudo, as crianças não aprendem apenas escutando, necessitam participar de situações comunicativas e ter oportunidades frequentes de usar (produzir) linguagem. […] Isto quer dizer que é através do uso da linguagem, e não por mera exposição, que as crianças construirão seus repertórios e formas de comunicação. […] Para aprender uma forma ou estrutura de linguagem, as crianças necessitam dispor de uma quantidade suficiente de exemplos para poder identificar regularidades e estabelecer o padrão” (Sepúlveda e Teberosky, 2016).
Assim sendo, há uma interdependência entre esses dois agentes: por um lado, a criança necessita do adulto como fonte para conhecer os recursos da linguagem; e, por outro, o adulto precisa das respostas das crianças para ajustar essas interações e avançar na relação comunicativa com ela (Teberosky, no prelo).
Durante a primeira infância, por exemplo, a criança não consegue ler sozinha, e é um mediador que vai ajudá-la a construir sentido para as páginas do livro: “Quando explorados adequadamente, [os livros] se transformam em estímulo por meio do qual a criança tem a oportunidade de falar e perguntar sobre o conteúdo e sobre a forma do texto” (Cardoso, 2014). Assim, pais, mães, avós e os educadores infantis costumam ser os primeiros mediadores de leitura para as crianças e, à medida que elas se aproximam da língua escrita, outros assumem também esse papel: professores, bibliotecários, livreiros, entre outros (Reyes, 2014).
A mediação realizada por alguém mais experiente pode dar oportunidades para que a criança, desde muito pequena, converse sobre as várias dimensões apresentadas por um texto, sejam elas linguística, metalinguística ou de conteúdo. Ao se ter clareza do “por que ler” e de “como ler” determinado texto, é possível chamar a atenção para a sua materialidade gráfica (sinais de pontuação, tipografia, tamanho, etc.), para as escolhas textuais, os personagens, o tipo de narrador, o vocabulário, os marcadores temporais, entre outros aspectos” (Cardoso, 2014).
Enfim, as crianças estão constantemente aprendendo, e aquilo que observam e vivenciam tem potencial para impactar seu desenvolvimento de forma favorável ou não. Logo, o papel do adulto é fundamental, pois está em suas mãos mediar as interações das crianças com o mundo, assim como servir de referência, dando exemplos a partir de suas atitudes e decisões.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Introdução. Ensino Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro01.pdf>. Acesso em: 09 jun. 2017.
CARDOSO, B. Mediação literária na Educação Infantil. Glossário Ceale: Termos de alfabetização, leitura e escrita para educadores. Universidade Federal de Minas Gerais, MG, 2014. Disponível em: <www.ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/mediacao-literaria-na-educacao-infantil>. Acesso em: 09 jun. 2017.
CASTANHEIRA, M. L. Interação. Glossário Ceale: Termos de alfabetização, leitura e escrita para educadores. Universidade Federal de Minas Gerais, MG, 2014. Disponível em: <http://ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/interacao>. Acesso em: 09 jun. 2017.
REYES, Y. Mediadores de leitura. Glossário Ceale: Termos de alfabetização, leitura e escrita para educadores. Universidade Federal de Minas Gerais, MG, 2014. Disponível em: <http://ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/mediadores-de-leitura>. Acesso em: 09 jun. 2017.
SEPÚLVEDA, A; TEBEROSKY, A. (2016) As crianças e as práticas de leitura e de escrita. In: Ministério de Educação, Secretaria de Educação Básica. As crianças como leitoras e autoras. Coleção Leitura e escrita na educação infantil, Vol. 6 (1ªed. pp. 59-93). Brasília: MEC/SEB.
TEBEROSKY, A. (no prelo) As crianças e a construção do conhecimento sobre a escrita.
Com a aquisição da linguagem, as crianças têm acesso a um sistema simbólico de significados, recurso pelo qual a experiência pode se converter em conhecimento. A relação entre linguagem e aprendizagem baseia-se na interação entre a aquisição e o uso da língua na construção do conhecimento que ocorre por meio do falar e do pensar. Segundo Tomasello (1999), assim como os óculos ampliam a visão, o megafone amplia a voz, a linguagem amplia o pensamento.
Pesquisas recentes em psicologia e linguística demonstram que a aprendizagem da língua não pode ser descrita por regras, como se fosse um sistema estático e externo contido em dicionários e gramáticas. A aprendizagem da língua é algo dinâmico e intrínseco ao sujeito que dela faz uso. Sendo assim, recebe múltiplas influências advindas das interações com outros falantes, onde processos psicológicos implicam aspectos perceptivos, motivacionais, emocionais, sociais e cognitivos próprios.
Disciplinas como sociologia e educação apontam as “desigualdades culturais” para explicar por que nem todos os falantes são competentes da mesma forma. A educação, em particular, ressalta a importância de se considerar o contexto e as práticas sociais, enfatizando que as desigualdades não são apenas econômicas.
Estas disciplinas nos mostram que o social também está no individual, ainda que seja difícil entender o social individualizado. Este é um processo descrito como inculcação ou incorporação. Porém, nós preferimos denominá-lo “construção social”, porque não se trata de uma transmissão direta, mas de contextos de interação por onde as crianças aprendem a deduzir e a reconstruir, para si, práticas culturais e linguísticas” (Teberosky, 2016).
Reynolds et al., 2001
A falta de estímulos na primeira infância prejudica o futuro desempenho escolar. A defasagem das crianças decorrente da desigualdade da qualidade de interações com adultos é um problema “invisível” que só se revela quando já há um impacto direto nas possibilidades de aprendizagem: aquelas que têm menos estímulo na primeira infância podem ter seu desempenho prejudicado na trajetória escolar, com notas mais baixas e com maior risco de reprovação e de evasão.
Belfield et al., 2006
Meninos e meninas competentes no uso da linguagem também o são nas formas ativas e construtivas de aprender e de pensar. Portanto, investimentos no desenvolvimento da linguagem desde a primeira infância influenciam a escolaridade futura e determinam taxas de produtividade, renda e qualidade de vida. Várias pesquisas na área mostram que o período de 0 a 10 anos é o mais importante para o desenvolvimento do indivíduo, com maiores taxas de retorno econômico e de impacto social. Com isso, as políticas que intervêm no desenvolvimento de crianças pequenas não só reduzem a desigualdade, mas também produzem retornos econômicos significativos.
Fernald, Marchman e Weisleder, 2013
Diversos pesquisadores têm confirmado que pais de famílias em melhores condições socioeconômicas conversam mais com seus filhos (Hart e Risley, 1995). Com apenas dois anos de idade, as crianças de famílias vulneráveis já experimentam uma defasagem de seis meses em relação a seus pares em condições menos adversas, o que repercute na aquisição de vocabulário e na velocidade de processamento da linguagem (Fernald, Marchman e Weisleder, 2013).
BECKER, L. Uma análise econômica da relação entre a educação e a violência. 2013. 75 f. Tese (Doutorado em Ciências). Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2012.
BELFIELD, C. ET AL. (2006). The High/Scope Perry Preschool Program: Cost-Benefit Analysis Using Data from the Age-40 Followup. The Journal of Human Resources, Madison, v. 41, n. 1, pp. 162-190. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/40057261>. Acesso em: 09 jun. 2017.
CUNHA, F.; HECKMAN, J. J. Investing in Our Young People (Discussion Paper No. 5050). Bonn: IZA (2010). Disponível em: <http://hdl.handle.net/10419/44199>. Acesso em: 09 jun. 2017.
FERNALD, A.; MARCHMAN, V. A.; WEISLEDER, A. SES differences in language processing skill and vocabulary are evident at 18 months. Developmental Science, Oxford, v. 16, n. 2, pp. 234–248, 2013. Disponível em: <http://doi.org/10.1111/desc.12019>. Acesso em: 09 jun. 2017.
HART, B.; RISLEY, T. R. Meaningful differences in the everyday experience of young American children. Baltimore, Paul H. Brookes Publishing, 1995.
REYNOLDS, A. J. ET AL. Long-term Effects of an Early Childhood Intervention on Educational Achievement and Juvenile Arrest. Journal of the American Medical Association, Chicago, v. 285, n. 18, pp. 2339–2346. Disponível em: <https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/193816>. Acesso em: 09 jun. 2017.
TEBEROSKY, A. ET AL. A linguagem de 0 a 5 anos. São Paulo, Laboratório de Educação, 2016. Livro digital.
TOMASELLO, M. (1999): The Cultural Ecology of Young Childrens’ Interactions with Objects and Artifacts. En E. Winograd, R. Fivsh & W. Hirst (Eds.). Ecological Approaches to Cognition (pp. 153-170). Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum.
Nossa plataforma de atuação está baseada em uma visão do processo evolutivo da aprendizagem das crianças na área de linguagem. Porém, escolhemos recortes específicos que, por um lado, respondem a desafios próprios de cada etapa do desenvolvimento, e por outro, aos desafios postos no cenário educacional brasileiro:
O desenvolvimento da linguagem começa com a interação e a intersubjetividade entre adultos e bebês. É a partir do repertório verbal – o input – oferecido em situações comunicativas do dia a dia que os pequenos gradualmente constroem esquemas e categorias abstratas, imitando a linguagem que ouvem. Além de funcionarem como modelo, os adultos também podem favorecer o desenvolvimento da linguagem ao interpretar, repetir, ampliar e/ou reformular os enunciados das crianças. Por isso, sua contribuição não é uma variável externa e sim um componente fundamental nesse processo.
A compreensão e a produção de histórias narradas contribuem de maneira fundamental para o desenvolvimento da linguagem oral e são também precursoras da aprendizagem da leitura e da escrita. Porém, compreender e produzir narrações exigem habilidades linguísticas e cognitivas avançadas para crianças de 6 a 8 anos de idade. O desafio não é apenas compreender os eventos da história, mas também conectá-los conceitualmente, o que requer entender a estrutura das narrações e ser capaz de fazer inferências. Por isso, a leitura em voz alta de histórias realizada por leitores mais experientes é um contexto favorável para a colocar em prática essas aprendizagens, mesmo antes de as crianças poderem ler autonomamente.
Um dos desafios enfrentados pelas escolas brasileiras é o de promover o uso da linguagem como ferramenta de acesso ao saber. A linguagem apresentada nos textos escolares é pouco familiar às crianças. Os textos são, frequentemente, densos e abstratos e, por esta razão, aprender a pesquisar e a estudar requer oportunidades de acesso ao discurso próprio das diferentes áreas do conhecimento. A criança precisa aprender a decifrar a linguagem característica dos textos informativos para ganhar autonomia na aprendizagem e adentrar o mundo do conhecimento.
Os conteúdos do Laboratório de Educação se fundamentam em pesquisas acadêmicas, mas também são pontos de partida para a produção de novos conhecimentos nas áreas relacionadas à nossa atuação.
Em 2012, realizamos um estudo de caso sobre os processos de compreensão e uso dos recursos didáticos oferecidos pelo material “Trilhas”, distribuído pelo Ministério da Educação aos professores do 1˚ ano do Ensino Fundamental em mais de 2.800 municípios.
A pesquisa utilizou uma análise comparativa baseada na observação das práticas de leitura em sala de aula de quatro professoras do 1˚ ano do Ensino Fundamental, cada uma com turmas de 15 a 20 alunos, em um município rural da região noroeste do Mato Grosso.
Em 2013, realizamos um estudo comparativo que analisa diferentes modos de influir na incorporação de práticas letradas a partir do uso e apropriação dos recursos didáticos oferecidos pelo material “Trilhas”, distribuído pelo Ministério da Educação aos professores do 1˚ ano do Ensino Fundamental em mais de 2.800 municípios.
A pesquisa teve como objetivo comparar a compreensão e o uso desse material por quatro professoras, com diferentes perfis profissionais, em São Paulo e Mato Grosso, depois de receberem indicações para atender aos modos de falar com as crianças durante a apresentação e a realização das atividades propostas – ou seja, ao discurso letrado sugerido no caderno.
Entre 2013 e 2014 realizamos, em parceria com a UNESCO, uma pesquisa interdisciplinar sobre o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC).
Por meio de estudos de caso realizados em quatro municípios do Estado de São Paulo, analisamos os fatores históricos, políticos, sociais, pedagógicos e educacionais que influenciaram a formulação e execução deste programa nacional de formação de professores, bem como seu impacto sobre os atores envolvidos nos diferentes níveis de implementação do mesmo.
Ao longo de 18 meses, por meio de entrevistas, questionários e observações in loco, acompanhamos a cadeia de formação de educadores da universidade à rede municipal, e as práticas pedagógicas em sala de aula.
Em 2015, realizamos uma pesquisa focada nas características linguísticas e gráficas dos textos de estudo na área de História no 4º e no 5º ano do Ensino Fundamental, utilizando os livros mais distribuídos pelo Programa Nacional de Livro Didático (PNLD, 2013). Os resultados dessa pesquisa serviram de base para a escrita do material formativo Aprender a Estudar Textos.
Em 2017, o Laboratório de Educação foi o parceiro na execução da pesquisa Learning for All (Aprendizagem para Todos), uma investigação comparativa, interdisciplinar e multimétodo realizada em parceria com três professores da Faculdade de Educação da Universidade de Harvard.
Duas questões principais orientam o estudo: (1) Por que em nível global, as escolas urbanas que atendem a populações vulneráveis têm tantos desafios para garantir que todas as crianças aprendam? (2) Quais são as melhores alavancas locais e globais para melhorar a aprendizagem para todos em escolas como essas? O Brasil é o quarto local em que a pesquisa está sendo implementada; já foram coletados dados em três outros países: Colômbia, Peru e Botswana.
O Laboratório de Educação atuou nas fases de tradução e validação dos instrumentos de pesquisa, adequando-os ao contexto brasileiro. Também colaborou com a Secretaria Municipal de São Paulo para selecionar as 10 escolas que compõem a amostra da pesquisa e foi responsável pela aplicação das diversas avaliações de linguagem e de questionários sociodemográficos nas Diretorias Regionais de Educação do Campo Limpo, São Miguel e Capela do Socorro. Além disso, foi realizado um estudo em profundidade, por meio do qual acompanhamos um dia na vida de 12 alunos das escolas e observamos as interações em sala de aula de 12 turmas.
As crianças aprendem o tempo todo e em qualquer lugar. Aquilo que observam e vivenciam tem potencial para impactar seu desenvolvimento de forma favorável ou não. Por isso, o nosso papel enquanto adultos é fundamental! Está em nossas mãos mediar as interações das crianças com o mundo, assim como servir de referência, dando exemplos a partir de nossas atitudes e decisões. O que as crianças aprendem, como se desenvolvem e que adultos se tornarão depende de nós!
Por isso, o Laboratório de Educação, busca provocar reflexões e sensibilizar os adultos sobre o seu importante papel no processo de aprendizagem das crianças com que convivem, oferecendo meios para promover interações significativas dentro e fora da escola.