O desenvolvimento integral das crianças para além da BNCC | Labedu
Entrevistas

O desenvolvimento integral das crianças para além da BNCC

27 de setembro de 2022

O Laboratório de Estudos e Pesquisas em Economia Social (LEPES) da USP de Ribeirão Preto esteve debruçado em uma série de postagens relacionadas ao tema Desenvolvimento Integral, uma das agendas da instituição. Nesse contexto, Beatriz Cardoso e Nicole Paulet, do Laboratório de Educação, foram entrevistadas sobre a implementação da BNCC (Base Nacional Comum Curricular). A seguir, a entrevista e nossas reflexões sobre essa ferramenta para contribuir com o esforço do desenvolvimento pleno dos estudantes.

LEPES_ Quais as principais mudanças que precisam ser feitas para garantir a implementação da BNCC em relação a:

a) gestão da escola
b) papel do professor
c) lugar do estudante
d) papel da família

LABEDU_ Enfrentar os vários desafios que estão postos no contexto da Educação no Brasil significa investir nessas diferentes frentes, considerando-as em toda sua complexidade. Por exemplo, a gestão da escola tem um papel no fortalecimento da relação com a família – independentemente da implementação da BNCC. A BNCC pode mudar ao longo do tempo (os objetivos podem ser outros, a depender das transformações sociais que se impuserem daqui pra frente), mas o papel da gestão não deveria ser definido somente com base na BNCC. A BNCC é parte, mas como se trata de um documento que organiza expectativas de aprendizagem, precisamos lembrar que existem diferentes meios para atingi-la. Os meios também merecem discussão, tanto quanto os fins.

LEPES_ Como anda a implementação da BNCC no Brasil, quais indicadores e resultados são encontrados?

LABEDU_ Compreendemos ser bastante difícil uma análise genérica num país com tanta diversidade. Além do mais, depende do que queremos dizer com “implementação”. Se olharmos do ponto de vista dos inputs do sistema, temos percebido investimentos em elaboração de documentos curriculares alinhados à BNCC, produção de materiais também supostamente alinhados aos objetivos e premissas da Base. Porém, existem menos dados e é mais difícil captar o quanto eles são de fato incorporados na prática.

LEPES_ Quais são as lacunas na construção do documento da BNCC que podem ser preenchidas em uma próxima versão? E na implementação dentro das instituições escolares?

LABEDU_ Na verdade, a BNCC talvez peque mais pelo excesso do que pelas faltas. Uma próxima versão certamente precisaria contemplar uma priorização de expectativas. 

Tendo em vista o “excesso” em termos de habilidades e objetivos, o documento oferece poucos insumos para entender a relação entre eles, dando a impressão de se tratarem de aspectos isolados ou fragmentados, ao invés de exemplificar como uma situação pedagógica planejada com intencionalidade pode dar conta das múltiplas dimensões. 

LEPES_ A implementação da BNCC é o caminho para promover o desenvolvimento pleno do estudante?

LABEDU_ A BNCC é uma ferramenta para contribuir nesse esforço do desenvolvimento pleno dos estudantes, mas não pode assumir essa responsabilidade sozinha. O documento normatiza o que se espera que as crianças aprendam e, portanto, o que a escola precisa assegurar que seja ensinado, que sem dúvida é relevante. Porém, o desenvolvimento do aluno não fica garantido apenas com acesso aos objetos de conhecimento. Faz parte também a forma como ele acede aos conhecimentos, os materiais a que tem acesso, a estrutura e o funcionamento escolar e etc.  

LEPES_ Trabalhar o desenvolvimento pleno tem o mesmo significado em todas as etapas da vida? Quando implementada, a BNCC terá promovido desenvolvimento pleno?

LABEDU_ Certamente não, cada etapa da vida tem desafios específicos. Esses desafios impactam nas possibilidades de integração entre áreas do currículo, por exemplo, ou na autonomia que as crianças têm para participar de situações utilizando ferramentas diferentes (sejam elas tecnológicas ou não). O planejamento didático precisa considerar o que é produtivo para que as crianças aprendam, aprofundem, avancem – ao invés de tentar dar conta de tudo de maneira superficial. 

LEPES_ Para desenvolver as várias habilidades e competências dos estudantes, é necessário trabalhar mais ou de outra forma?

LABEDU_ É preciso que se considere o know-how pedagógico: que implica em organizar tempos, espaços e materiais para criar situações produtivas de aprendizagem.

Pensar nas habilidades de forma isolada ou fragmentada pode descaracterizar os objetos de ensino e aprendizagem, além de que se torna inviável tendo em vista as restrições reais do funcionamento da escola. A articulação é necessária, mas ela exige conhecimentos de diferentes naturezas a serem colocados em prática pelos professores: conhecimentos sobre os objetos de ensino, conhecimentos sobre como planejar e organizar sequencialmente a progressão entre situações de aprendizagem, conhecimentos sobre quais situações e intervenções podem ser mais produtivas a depender da especificidade do objeto de ensino.

Respondendo mais diretamente: para desenvolver as várias habilidades e competências dos estudantes, é necessário muito conhecimento (saber e saber fazer) por parte dos educadores. 

LEPES_ O tempo integral é necessário para o desenvolvimento pleno? De que forma ele pode auxiliar nesse processo?

LABEDU_ Certamente quando se tem mais tempo é possível fazer mais, mas não acreditamos que seja uma condição inexorável. É possível ter um excelente trabalho em tempo parcial e um péssimo trabalho em tempo integral.

LEPES_ Qual a melhor forma de oferecer o desenvolvimento pleno ao estudante?

LABEDU_ Para a aprendizagem ter sentido para os alunos, o ensino precisa ter sentido para os professores. E as relações e práticas que se instalam na escola incidem nisso: não adianta tentar ensinar sobre o convívio democrático na sala de aula se a escola é um espaço autoritário entre gestores e professores. Por isso, é tão complexo transformar a Educação de verdade: a forma importa e também ensina.

 

Para conhecer e refletir sobre a Base Nacional Comum Curricular, a BNCC, acesse a página no site do MEC aqui.

 

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