O que é preciso para avaliar mudanças na prática docente? Alyssa Gandolph analisa os desafios da pesquisa Labedu-Harvard | Labedu
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O que é preciso para avaliar mudanças na prática docente? Alyssa Gandolph analisa os desafios da pesquisa Labedu-Harvard

27 de agosto de 2025

Mudanças significativas na prática docente já são observadas nos primeiros módulos da formação oferecida pelo projeto Aprender Linguagem, segundo análise conduzida por pesquisadoras do Labedu e da Universidade Harvard.

Alyssa Gandolph, pesquisadora colaboradora do Arizona (EUA), integra a equipe responsável pela análise de dados do estudo em andamento, liderado por Paula Cruz Pereira, pesquisadora do Labedu. O trabalho investiga os efeitos da formação continuada na educação infantil, com foco na transformação das práticas pedagógicas em sala de aula.

Em entrevista ao Labedu, Gandolph comenta os principais achados da pesquisa, os desafios metodológicos da avaliação de projetos educacionais e as evidências que indicam se as mudanças na prática docente estão, de fato, chegando às crianças.

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Na sua perspectiva, onde ocorre a verdadeira mudança na formação docente? Quais elementos da formação de professores parecem mais potentes?

Acredito que a formação docente envolve uma dupla transformação. Uma das surpresas que tivemos foi o salto significativo entre o estágio inicial e o Módulo 1. Inicialmente, imaginávamos que os indicadores de resultado iriam melhorar gradualmente ao longo do projeto, mas o que vimos foi um crescimento expressivo logo no início, seguido por uma estabilização nos módulos seguintes. Isso fez sentido, já que o Módulo 1 estava mais próximo da primeira exposição às práticas e conteúdos da metodologia, ainda fresco na memória das professoras.

Fico muito animada ao ver que o Labedu continua avaliando o impacto de seus projetos, porque suspeito que há uma segunda onda de transformação que ocorre a longo prazo. Na pesquisa, usamos uma variável composta por diversos indicadores que esperávamos que as professoras desenvolvessem ao longo da formação. Embora tenhamos observado um crescimento elevado entre a linha de base* e o primeiro módulo, há aspectos menos mensuráveis da prática docente que também são fundamentais. À medida que as professoras se tornam mais seguras com o conteúdo, os efeitos positivos do projeto podem se tornar ainda mais evidentes nos anos seguintes — algo semelhante ao que vemos na evolução entre docentes iniciantes e experientes. Com isso, é possível que haja uma segunda mudança mais profunda ao longo do tempo.

Um dos elementos mais potentes da metodologia do Aprender é o fato de que o Labedu começa pela formação das coordenações pedagógicas, que já são figuras de referência dentro das escolas. Muitas vezes, há resistência por parte de educadores em relação à formação, com pensamentos como: “isso pode ter funcionado em outro lugar, mas será que funciona na minha escola, na minha sala?”. O Labedu trabalha com coordenadores que conhecem o contexto local e têm legitimidade junto às professoras. Isso ajuda a superar uma barreira comum nos projetos de formação: garantir não só a fidelidade na entrega do conteúdo, mas também que ele faça sentido e seja aplicável à realidade de cada escola.

Quais são os principais desafios que você enxerga na análise da implementação de um projeto de formação de professores como o Aprender Linguagem, especialmente quando o objetivo é transformar a prática cotidiana em sala de aula?

Um dos maiores desafios na avaliação de projetos educacionais é identificar quais componentes da formação são realmente os mais transformadores. Quando observamos melhorias nas práticas pedagógicas relacionadas ao conteúdo, ficamos animadas com os resultados. Mas permanece a pergunta: o que, exatamente, na formação gerou esse avanço? E como podemos potencializar esse aspecto?

Outro ponto importante é que, embora o conteúdo do Aprender tenha sido o mesmo, cada município teve um cronograma diferente e iniciou o projeto em momentos distintos. Algumas redes trabalharam o conteúdo de forma mais condensada, ao longo de um ano. Outras, em quase dois anos. Essa flexibilidade é necessária para adaptar o projeto à realidade local, mas torna a análise mais complexa, pois é preciso avaliar não só o impacto geral da formação, mas também como cada formato específico influenciou os resultados.

Como podemos compreender melhor a relação entre a formação oferecida e a prática docente efetiva?

Um dos aprendizados que tivemos ao longo do projeto veio da Maria Grembecki, coordenadora de Metodologias e Projetos do Labedu. Ao analisar os resultados, percebemos que algumas professoras apresentaram queda na proficiência após os ganhos iniciais do Módulo 1. Maria nos lembrou de algo essencial: professoras também são aprendizes.

Muitos projetos de formação são estruturados como ações pontuais. A proposta do Labedu, por outro lado, reconhece que a forma como as docentes ensinam está diretamente ligada à forma como aprendem. Quando pensamos nas crianças como aprendizes, sabemos que o processo de aprendizagem não é linear. No primeiro contato com um conceito, há um avanço rápido, porque o ponto de partida é zero. Mas, à medida que a criança evolui de iniciante para experiente, surgem obstáculos — os conceitos se tornam mais complexos. Em nossos dados, vimos um crescimento expressivo rumo à proficiência no início, mas não houve uma progressão linear até o domínio completo das práticas mais sofisticadas. Algumas professoras regrediram no Módulo 2 e voltaram a crescer nos módulos seguintes. Outras mantiveram um desempenho estável, mas enfrentaram dificuldades para alcançar o domínio dos conceitos de ordem superior.

Esses achados reforçam a importância do modelo do Labedu, que oferece formação continuada ao longo de vários módulos. As professoras precisam de tempo para assimilar o conteúdo, revisitar conceitos que ainda não estão claros e elaborar dúvidas. Esse tempo de maturação é essencial para consolidar mudanças reais na prática pedagógica.

Que tipo de dados ou sinais ajudam a perceber se as mudanças na prática docente estão chegando às crianças e fazendo diferença na aprendizagem?

É difícil mensurar diretamente o impacto sobre as crianças na educação infantil. Há menos instrumentos de avaliação disponíveis e, mesmo que existisse uma ferramenta padronizada de pré e pós-avaliação em todos os municípios, seria necessário isolar o efeito da formação do crescimento natural das crianças ao longo do tempo.

Por isso, buscamos sinais na prática docente que são reconhecidamente associados a melhorias na aprendizagem infantil e usamos esses indicadores como proxy**. Por exemplo, Paula Cruz Pereira, responsável pela pesquisa, e eu analisamos com atenção como as professoras conduziam atividades de leitura de livros. Não faria sentido aplicar um teste de leitura às crianças nesse contexto, já que o objetivo é promover o contato com os livros e com a linguagem escrita — fatores que estão associados a ganhos futuros em linguagem e alfabetização. Em vez disso, observamos comportamentos como: a professora abre espaço para a participação das crianças? Ela direciona perguntas e explicações para elas durante a leitura? A literatura especializada mostra que o engajamento precoce com os livros está relacionado ao desenvolvimento da linguagem. Assim, usamos esses comportamentos como sinais de que as crianças estão envolvidas, e sabemos que o engajamento e interação são passos essenciais para a aprendizagem.

 

*É o conjunto de dados coletados antes de um experimento começar; ajuda a medir o impacto de uma variável ou intervenção.

**Proxy, no contexto de pesquisa, refere-se a um indicador indireto utilizado como substituto para medir ou representar um fenômeno difícil de observar diretamente. Esses indicadores não medem diretamente a aprendizagem, mas funcionam como substitutos confiáveis para inferir que ela está acontecendo.

 

Saiba mais:

Labedu apresenta resultados de pesquisa sobre o Aprender Linguagem no VII CONBAlf

Reflexões sobre implementação de programas educacionais são tema de artigo do Labedu no Nexo

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