25 de abril de 2016
Este artigo faz parte da série:Contos de fadas e o desenvolvimento emocional das crianças
Na continuação de nossa série de posts sobre os contos de fadas, apresentamos uma interpretação menos conhecida da história de “Peter Pan e Wendy” a partir das ideias da pesquisadora francesa Michèle Petit.
Será que o personagem Peter Pan é apenas um egoísta fugindo do crescimento e da responsabilidade? De fato ele só pensa em seu próprio prazer e evita confrontar-se com a realidade a qualquer custo? Sem dúvida, esses elementos podem ser depreendidos do enredo, a depender da maneira como interpretamos as características dos personagens, suas ações e relações. Porém, também podemos pensá-lo como um símbolo da liberdade de imaginação.
Já vimos aqui algumas interpretações bastante frequentes sobre a história “Peter Pan e Wendy”, criada por J. M. Barrie. Assim como todos os contos de fadas explorados em nossa série, essa narrativa também pode ser compreendida por distintos pontos de vista. Neste post, apresentamos algumas considerações menos difundidas acerca dessa história, seguindo as ideias de Michèle Petit publicadas em 2012 no artigo “Peter Pan e Wendy ou o direito à ficção”, para Revista Emília.
Peter é uma criatura pouco definida: seria humano? Seria fantasia? Ou seria apenas uma representação da leveza que todos nós carregamos internamente e que nos permite levantar voo, movimentar-nos, mergulhar e emergir? Só o que sabemos é que este ente passeia sem limites por terras encantadas e fascinantes. E convida as crianças a ir junto com ele, libertando-se da racionalização adulta e da burocratização da vida.
Na história, Peter conduz Wendy e seus irmãos a um portal transformador – a janela de seu quarto. Essa abertura os transporta de um mundo seguro, representado pelo lar, para o mar de possibilidades do desconhecido. Como negar que esse contato com as profundezas de nosso imaginário com o que ignoramos em nós mesmos não nos nutre e nos conecta com o que há de mais verdadeiro em nossa identidade? O jogo e a fantasia desprendem o pensamento do hábito e dos lugares comuns. Começa assim um passeio por paisagens internas que nos encantam. Essa flexibilidade nos dá força para criar, para construir sonhos e encontrar caminhos mais próximos dos nossos profundos desejos.
Petit recorda-nos de algumas das ideias do psicanalista D. W. Winnicott, que reafirma a importância dos momentos lúdicos em que mergulhamos no imaginário:
“É como se Winnicott e a psicanálise não tivessem nos ensinado que o que fazemos com seriedade e criatividade tem sua origem no jogo e na cultura que dele se prolonga. Como se não pudéssemos ser ao mesmo tempo sonhadores, lúcidos, reflexivos e combativos. Como se não fossemos também feitos de nossos sonhos – não só na infância, mas ao longo da vida toda. Não retornamos iguais do Never Land, é nosso ser que volta mudado, maior. Algo da ficção permanece nesse mundo […]”.
Convidar as crianças a escutar a história de “Peter Pan e Wendy” é uma forma de abrir espaços para que se mantenham conectadas com a beleza de sua imaginação, valorizando o devaneio, a fantasia e a criatividade. É também uma maneira de lembrar – a elas e a nós mesmos – que amadurecer não é deixar para trás o mundo lúdico e os sonhos. Antes de mais nada, é encontrar força e caminhos internos para encantar-se com a vida.