Em um país com poucos leitores, é preciso mais leitura em voz alta na Educação Infantil | Labedu
Entrevistas

Em um país com poucos leitores, é preciso mais leitura em voz alta na Educação Infantil

19 de dezembro de 2024

O comportamento dos brasileiros em relação à leitura foi o tema da pesquisa Retratos da Leitura, divulgada recentemente pelo Instituto Pró-Livro. O levantamento apontou que a maioria dos brasileiros (53%) não leu nem uma parte de um livro nos três meses anteriores à pergunta, o que se considera como um perfil não leitor. Este é o pior resultado desde 2007, quando a pesquisa começou a ser feita. O projeto Aprender: Dentro e Fora da Escola, em implementação pelo Labedu atualmente nos 217 municípios do Maranhão em parceria com a secretaria estadual de Educação (Seduc/MA), tem o objetivo de fazer frente a esta realidade, fortalecendo a formação leitora de educadores e de crianças de zero a cinco anos. 

Conversamos com Cecília Diniz, pesquisadora em Sociologia da Educação e formadora do Labedu, para entender como a metodologia do projeto e as articulações das ações em parceria com o poder público contribuem para promover a leitura em territórios muitas vezes marcados pela desigualdade social. 

Olhando para os resultados da pesquisa, os dados sobre a influência e formação leitora chamam bastante atenção. Na comparação entre os considerados leitores, vemos uma diferença importante de quase 20 pontos percentuais: 46% das crianças leitoras tiveram quem lesse para elas, enquanto apenas 28% das não leitoras tiveram o mesmo. Parece um tanto óbvio afirmar que o hábito de um cuidador ler para uma criança vai impactar positivamente a sua formação como leitora, mas como a escola pode influenciar esse processo em casa?

Quando começamos a implementação do Aprender, em 2019, vimos como a leitura para as crianças não era um hábito na Educação Infantil, que é o foco do projeto. Acontecia, mas era muito raro. Elas tinham acervos muito pequenos, ou mesmo onde havia mais livros, não eram lidos para as crianças. Elas não entendiam que isso era algo importante de ser feito, ou faziam contação de histórias, que é diferente de uma leitura. E mesmo assim, não fazia parte do cotidiano. Desde então, o trabalho do projeto tem se concentrado em fortalecer a prática da leitura diária em voz alta pela professora, promovendo uma aproximação consistente das crianças com os livros. Se todas as professoras lessem diariamente para as crianças, já seria um enorme avanço!

Fazemos também ações com as diretoras para fortalecer e instaurar projetos que promovem o empréstimo de livros, para que as crianças levem exemplares para casa. Então, ainda que elas não tenham livros em casa, por falta de recurso, a  instituição de Educação Infantil empresta para que haja um momento junto com a família. Dessa forma, ajudamos a fortalecer essa parceria da instituição com as famílias.

O Labedu tem uma atuação muito calcada nesse binômio, né? É o lema “toda criança pode aprender e toda adulta educa”, é o próprio nome do projeto “dentro e fora da escola”. É muito importante cuidar desses dois aspectos. Ainda que a nossa relação direta seja com a Educação Infantil,  vamos pensando em ações que possam reverberar na família, para criar parceria entre as famílias e a Educação Infantil.

Como as formações das professoras são pensadas para garantir não somente a presença da leitura, mas uma leitura qualificada? Como formar quem forma leitores?

Um dado importante para entender essa questão apareceu no momento de diagnóstico do território. Conforme fomos vendo que as próprias professoras e coordenadoras muitas vezes não eram leitoras. Elas também não tiveram essa formação leitora, o que aparece nos resultados da Retratos da Leitura. Então, na primeira fase do projeto nós fizemos um trabalho bem importante de formação leitora dos profissionais de Educação que iriam ler para as crianças. Porque a pessoa que vai ler para criança precisa concordar que isso é importante, que não é uma atividade extra para ser feita quando os outros recursos se esgotaram, ou quando sobra tempo.

Então, atuamos formando as coordenadoras para que elas pudessem formar as professoras. Trabalhamos principalmente a leitura literária, que é uma experiência de contato com o texto, de rememorar coisas, sobre o que se sente, o que você pensa a partir daquele texto... E aí entra a questão da desigualdade do acesso. Uma pessoa que não teve uma boa formação leitora dificilmente vai conseguir formar leitores, sejam seus filhos ou seus alunos. O resultado desse trabalho com as educadoras foi de muita valorização da leitura. Depois de ler um conto na formação, muitas vinham contar que tinham lido o livro todo depois, por exemplo.

E a formação das professoras é feita com literatura para adultos, certo?

Exatamente, para elas se formarem como leitoras, para valorizarem e poderem trazer isso na prática. Porque a gente acredita que é difícil uma pessoa que não é leitora, que não vê valor nisso porque não tem essa experiência prévia, conseguir fazer uma boa mediação de leitura, conseguir assim entender o quanto isso é transformador para, de fato, lutar para ter a leitura todos os dias na instituição em que atua.

Por que fazer uma contação de história não é a mesma coisa do que fazer uma leitura para as crianças?

A gente viu muito, no começo, as duas coisas se confundindo. E por muitos motivos. Às vezes por falta de acesso aos livros, ou porque acham que as crianças pequenas não prestam atenção na leitura, ou ainda porque acreditam que a contação vai chamar mais a atenção dos pequenos. Acontecia muito também das professoras fazerem uma dramatização, como construir fantoche dos personagens da história, ou se fantasiar para encenar. O problema é que tudo isso acaba complicando a atividade. O tempo que você demora para confeccionar os fantoches ou montar os cenários, não torna viável fazer todos os dias. Você vai fazer isso uma vez no mês, né? Já para a leitura, basta ter um bom livro. Basta você ler antes, se preparar e ler para as crianças.

Além disso, na leitura, você está colocando as crianças em contato com a linguagem escrita. A organização do texto escrito é diferente, ainda que seja lido em voz alta. E proporciona também o convívio com o livro enquanto objeto. Se queremos que as crianças se interessem pela leitura, elas precisam estar em contato com esse objeto livro. Ele não é só o texto, só a história, ele é as ilustrações, as interações que muitos autores e autoras fazem entre a ilustração e o texto... Olhar para todos esses elementos desenvolve outras habilidades do comportamento leitor, que a contação de história não favorece.

Não estou dizendo que a contação não é importante, mas o que precisamos garantir todos os dias é a leitura de textos. É deixar as crianças manusearem os livros, enquanto se ensina o cuidado no manuseio. Por isso, se queremos que elas se encantem com os livros, elas precisam poder manusear esses livros, conviver com eles, com um adulto ali orientando e lendo para elas. Tudo isso tem sido conteúdo nas nossas formações.

E qual o papel do monitoramento dos projetos, desse acompanhamento que o Labedu faz para ajustar as formações? 

É fundamental. Não é só fazer a formação e achar que a missão está cumprida. Nós vamos a campo para observar as professoras lendo, como elas estão fazendo. Se elas têm conseguido ler ou ainda estão fazendo uma contação, ou recontando a história com o livro na mão. Como que eu oriento essa professora? É o trabalho de monitoramento que retroalimenta a formação. Com isso,  conseguimos ver quais são os desafios da prática e ajustar.


Voltando para a questão da formação de leitores, ela beneficia não só a aprendizagem, mas o desenvolvimento pleno das crianças, né?

Você trouxe uma coisa muito, muito importante. Há uma ideia equivocada de que você lê para ensinar algo para as crianças. Nas formações trabalhamos a ideia de que lemos para que as crianças possam ter a experiência com o livro, o encontro com o texto. Na Educação Infantil, lemos para ampliar a compreensão de mundo, o vocabulário, e a relação das crianças com a linguagem. 

Nas fases seguintes da vida escolar, tudo vai depender dessa compreensão da leitura que se constroi lá na Educação Infantil, que não é sobre ler apenas para decodificar. Não é ler para compreender as letras e formar as palavras.  É ler no sentido de uma leitura de mundo mesmo, de compreender  e se relacionar com aquele texto, de criar sentido para aquilo que está sendo dito. 

A pesquisa aponta um pico na proporção de leitores entre 11 e 13 anos, e depois esse número cai progressivamente, ou seja, os brasileiros deixam de ler ao longo da vida. Por que você acha que isso acontece?

Com a leitura frequente feita ou indicada pelos professores é possível construir uma comunidade de leitura na Educação Infantil e no Ensino Fundamental. Quando lemos um livro e propomos que todo mundo fale sobre aquele livro, sobre o que sentiu, o que pensou, o que lembrou… Eu acho que na vida adulta talvez vamos nos desanimando de ler e deixando para lá pela falta da participação em  uma comunidade de leitores. Porque o fato de ter com quem trocar, com quem falar sobre os livros é muito importante. Se as pessoas estão falando sobre um certo livro, eu fico com vontade de ler. A escola consegue construir isso, né? Porque você lê o mesmo texto para todas as crianças e elas podem comentar a leitura, ou quando as crianças são um pouco maiores já passam a recomendar os livros que leram. Então a escola tem também esse importante papel de colaborar para a construção dessa comunidade leitora. A questão é se ela está sendo ou não essa comunidade, né? Mas ela tem esse papel também de construir esse ambiente leitor.

Saiba mais:
Artigo traz relato de experiência sobre projeto do Labedu no Maranhão
Acesse aqui a pesquisa na íntegra

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