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“O quarto de Jack”: Sobre a percepção infantil do mundo

Imagem do filme “O Quarto de Jack” (2015).
4 de março de 2016

O filme, que está em cartaz nos cinemas, conta uma história pesada e assustadora do ponto de vista do titular Jack, que passa os primeiros 5 anos de sua vida em cativeiro junto à sua mãe.

“Bom dia, abajur. Bom dia, armário. Bom dia, pia. Bom dia, banheira.”

Assim somos apresentados, por Jack, ao cativeiro em que ele nasceu e foi criado, o único espaço que ele já conheceu na vida. Sob a tutela de sua mãe, que durante seus primeiros cinco anos de vida foi a única pessoa com a qual teve contato direto, Jack acredita que o quarto em que vive é o mundo inteiro, e sua atitude infantil, alegre, em relação a essa realidade terrível, é uma perspectiva única desse ambiente e de sua história.

No quarto, seu único contato com o mundo externo era uma clarabóia e uma televisão. A mãe o ensinou a falar, a ler, e contou uma fábula do que seria o mundo de forma a protegê-lo da sua realidade terrível: o quarto em que viviam era o mundo, e tudo o que aparece na televisão viria de outros planetas. Em um espaço confinado, a mãe investiu em interações de qualidade com o filho, e criou uma criança de capacidade intelectual normal (ou “normal na medida do possível” ou “cognitivamente saudável”). Ela lê com ele, canta com ele, cozinha com ele, assiste televisão com ele, responde suas perguntas. Em suma, constrói um ambiente de normalidade que o protege de sua realidade ao mesmo tempo que o ajuda a se desenvolver.

Quando se sente ameaçada, a mãe cria com a ajuda do filho uma oportunidade para escaparem. Para isso, passa a prepará-lo para enfrentar esse desafio: isso envolve sua confiança na capacidade do filho de compreender o que ela está dizendo. Essa confiança é expressa por ela nas suas conversas com o menino, em que diz “Você já tem cinco anos, certamente já tem a capacidade de compreender o que estou te contando sobre o mundo. O que ela está dizendo é algo como, “Você é grande o suficiente para entender e dar conta de todas essas mudanças”, uma bela aposta de confiança na inteligência e autonomia da criança.

No fim das contas, o filme mostra a criança com todo esse potencial, já que consegue escapar e ajudar a polícia a encontrar sua mãe. É importante notar, porém, que ela o faz como uma criança: não é sem dificuldade, não é com clareza absoluta, mas com o apoio de estranhos – o estranho passeando com o cachorro na rua que o socorre e a policial que o atende posteriormente -, que dão, cada um à sua maneira, uma estrutura para que a criança possa fazer o que precisa.

Após escaparem do cativeiro, é interessante ver a importância do apoio da família. Sua avó e seu avô postiço fornecem uma estrutura fundamental para a sua adaptação à nova realidade. Ver a construção dessa relação é emocionante, e nos remete à importância que, mesmo fora de situações de crise, a família tem em apoiar tanto as crianças quanto seus pais. Também chama nossa atenção o comentário médico: de que ele saiu a tempo do cativeiro, quando seu cérebro ainda tem neuroplasticidade, o que significa que ele tem maiores chances de recuperação e adaptação a uma vida normal do que se tivesse ficado mais tempo preso.

O filme é contado do ponto de vista de Jack, cuja perspectiva infantil dá o tom da narrativa. Ele narra, ao longo da história, como vê o mundo dentro do quarto, e depois nos apresenta sua percepção de uma criança cujo universo foi radicalmente expandido de uma hora para a outra, revelando como assimila mudanças de grande escala, tendo vivido até ali em total confinamento. A câmera, em determinados momentos, simula seu olhar, aproximando mais ainda o espectador da perspectiva de Jack.

Assista o trailer do filme aqui:

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