19 de abril de 2019
Mais de 3.000 escolas no Brasil reconhecem e se adaptam a sistemas de transmissão de conhecimento indígenas.
Nas concepções indígenas de infância, a educação das crianças é feita no convívio coletivo – com outras crianças, jovens, adultos e idosos – e na circulação pelos espaços sociais. Ao colocá-las em espaços específicos para crianças, como creches e escolas, são retiradas desse convívio e introduzidas em um modelo ocidentalizado de educação que não necessariamente condiz com as pedagogias indígenas. É importante lembrar que, afinal, povos indígenas foram os primeiros habitantes dessa terra e desenvolveram seus próprios sistemas de transmissão de conhecimento ao longo de suas histórias, que são bem mais antigas do que a existência das escolas no território que hoje chamamos de Brasil.
Escolas indígenas no Censo Escolar
Segundo o Censo Escolar de 2015, existem 3.085 escolas indígenas no Brasil, com um total de 285 mil estudantes e 20 mil professores que atendem cerca de 305 etnias e que falam 274 línguas diferentes. “Indígena” é uma palavra que se refere a grupos bastante diversos, com diferentes valores, hábitos e crenças. Uma escola indígena precisa equilibrar elementos do currículo nacional com as especificidades da cultura na qual está inserida. Desde a Constituição de 1988, os povos indígenas têm direito a uma educação escolar intercultural, bilíngue/multilíngue e comunitária. Isso quer dizer que a educação escolar indígena está inserida no sistema nacional, mas respeita a diversidade e as especificidades das culturas dos povos nativos, abrindo espaço para:
- O ensino nas línguas indígenas além do português;
- Um calendário escolar adaptado às atividades rituais e cotidianas de cada contexto;
- A transmissão de conhecimentos tradicionais dentro da escola;
- A participação da comunidade nas decisões dos objetivos da escola.
Dessa forma, é assegurado o direito de os povos indígenas terem escolas que respeitem os seus modos de viver, deixando de impor uma educação ocidentalizada.
Aplicação da Base Nacional Comum Curricular
As disciplinas e conteúdos previstos na Base Nacional Comum Curricular (2017) são assegurados nessas escolas, mas também podem receber um tratamento mais atrelado ao contexto cultural de cada povo, como nos exemplos a seguir:
Às vezes nós estudamos um pouco sobre a Lua, num problema de Matemática, mas a gente está estudando a Astronomia, está estudando Física e Geografia, junto. Às vezes, a gente está fazendo um texto sobre os morros, sobre a floresta, sobre as águas, então está fazendo um trabalho de Geografia ali junto.
Kanatyo, Professor Pataxó, MG.
Também em cada lugar dessas terras tem terra dura, terra arenosa, terra vermelha, terra preta, terra argilosa. A terra firme é importante para se fazer roçado, mas na terra firme a gente não pode morar, porque recebe mais raios que a terra baixa. A terra firme ajuda a gente, porque a gente se comunica melhor à distância com outra pessoa em outras terras firmes.
Professores indígenas do Acre.
Hoje conversamos e escrevemos o que estudamos no ano passado sobre assunto de ciências biológicas das plantas. Escreveram contando como faz a sementeira e o viveiro. Alguns deles contaram que o viveiro é muito importante, é um local de segurança para plantar alimentos como as frutíferas, que fazem bem à saúde.
Edson Ixã, professor Kaxinawá, AC.
(Fonte: Referencial Curricular Nacional Para As Escolas Indígenas)
Além disso, os currículos das escolas indígenas trazem conhecimentos específicos de suas culturas, como saberes tradicionais transmitidos por anciãos e até elementos das histórias de outros povos indígenas. Nisso, mais um ponto em comum com o currículo nacional: há mais de uma década que é lei o ensino de história indígena nas escolas brasileiras.
Do ponto de vista da formação dos professores, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Indígena, de 2012, preveem que todos os professores sejam das aldeias em que dão aula. Isso porque, como falamos acima, não é possível pensar em uma formação padrão para o professor desse tipo de escola. Como cada uma é moldada para a cultura em que está inserida, faz sentido que os docentes façam parte da mesma cultura que os alunos, e, portanto, estejam preparados para lidar com suas realidades. De toda forma, os cursos de licenciatura, como o de pedagogia, são obrigados pela resolução que os regulamenta a formar os futuros professores também para atuar em escolas indígenas.
Como sintetiza Cléia Santos de Aprígio, diretora da Escola Estadual Indígena Capitão Francisco Rodelas, na Bahia, o objetivo da escola indígena é formar cidadãos aptos a viver em distintos contextos sociais, sem abrir mão de suas tradições e raízes. Os alunos e professores devem buscar sempre a autoafirmação indígena.