25 de novembro de 2019
Criada na Bahia, a proposta pedagógica propõe valorizar a ancestralidade afro-indígena dos brasileiros
Bibliotecas vivas
“Cada ancião que morre é uma biblioteca que se queima” (Amadou Hampâté Bá, escritor, historiador e etnólogo Malinês)
Griot é um termo francês que descreve a figura de um historiador, poeta, contador de histórias, cantor ou músico na África Ocidental. Repositórios culturais da tradição oral, griots são homens e mulheres reconhecidos por suas comunidades, que exercem importantes funções sociais, como arquivos humanos que preservam a memória de seus variados contextos. Essas pessoas são bibliotecas vivas de suas nações, culturas, famílias, e transmitem seus conhecimentos de geração em geração pela oralidade.
No seu abrasileiramento, a grafia francesa griot torna-se griô, que se aplica no Brasil aos sábios e sábias ao redor do país que guardam e transmitem as tradições orais de suas culturas.
Pedagogia Griô
Na cidade de Lençóis, no coração da Bahia, a educadora Líllian Pacheco começou o Programa Ação Griô Nacional como coordenadora pedagógica da ONG Grãos de Luz. A Ação, que visava valorizar e disseminar a tradição oral no Brasil, articulou diálogos pedagógicos entre a educação formal e a tradição oral, colocando mais de 750 griôs em contato com 100 mil estudantes de escolas públicas. A partir dessa experiência , Pacheco e Marcio Caires desenvolveram a Pedagogia Griô, uma proposta pedagógica baseada na transmissão oral de conhecimento.
Essa pedagogia coloca no centro do processo a identidade e ancestralidade dos alunos e é inspirada nas tradições orais, principalmente as de origem afro-indígena. Com uma base teórica que também inclui Paulo Freire, Carlos Petrovitch e Ruth Cavalcante, se propõe a criar pontes entre a tradição escrita e a tradição oral, estabelecendo diálogos entre as duas modalidades.
“Há diversos mestres nas comunidades que usam a transmissão oral para manter a tradição. A tradição oral tem conhecimentos maravilhosos para a humanidade e guarda isso de forma que só pode ser passada de geração em geração. Por que não agregá-la, então, à tradição escrita utilizada na educação formal das escolas?”, explicou Pacheco em entrevista ao Portal Aprendiz. “Acredito que, como afrodescendentes, devemos valorizar mais a tradição oral, porque faz parte da nossa história como brasileiros. Muitas coisas que nossos antepassados viveram só poderão ser transmitidas pela tradição oral. Por isso, a figura do griô é tão importante”, conclui.
Com programas de formação em diversas cidades brasileiras, a Pedagogia Griô é baseada em princípios como:
- Reconhecer os saberes da tradição oral como estruturante para o fortalecimento da identidade e da ancestralidade dos brasileiros
- Valorizar a diversidade dos brasileiros em suas referências teóricas e metodológicas
- Empoderar a sociedade civil organizada para mediar diálogos entre as práticas pedagógicas da educação formal e da tradição oral de comunidades
- Fortalecer e incluir comunidades por meio da criação de redes e espaços afetivos e culturais compartilhados para a transmissão de conhecimento oral
- Reconhecer os saberes e as práticas de griôs, mestres e mestras da tradição oral na educação
A tradição oral no cotidiano
As crianças podem entrar em contato com modos de transmissão oral mesmo em contextos que pareçam afastados dessa tradição. Por exemplo, conversando com pessoas idosas sobre suas memórias e conhecimentos, ouvindo uma poesia sendo declamada ou uma história sendo contada. E, quando a contação de história evoca a ancestralidade, isso se aproxima do fazer do griô.