Como a criança vive e como a infância é concebida nos dias de hoje? Será que existe apenas uma visão de infância? E, hoje, sofremos influências do modo como a criança foi considerada em diferentes épocas?
A infância é pensada atualmente de formas muito variadas: alguns percebem a criança como inocente e pura, outros a consideram um ser travesso e indomável. Ainda há aqueles que a veem como um sujeito que nada sabe do mundo e está aqui para ser preenchido de conhecimento, enquanto que para outros a criança tem determinadas competências e ideias sobre o mundo que vão se transformando conforme ela aprende e experimenta. Todas estas perspectivas sobre a infância formaram-se com alguma influência do que foi historicamente pensado e vivido em relação a esse tema e, por isso, é importante olhar para trás para compreender o presente.
Um aspecto muito importante que transformou a forma de ver e pensar a criança foi o capitalismo. A partir de seu avanço, a criança foi cada vez mais pensada como futuro consumidor e produtor, ganhando importância social. A educação voltou-se para a inserção do sujeito na sociedade, habilitando as crianças para entrar no mercado de trabalho ao se tornarem adultas e estimulando a competitividade. Os brinquedos, produtos e serviços infantis se tornaram um mercado expressivo e a propaganda voltada para as crianças, ainda pouco regulamentada, é mais uma mostra de que elas são preparadas para consumir.
O capitalismo também contribuiu para a cultura do descartável. Isso se estendeu dos objetos para as relações e aquilo que não parece mais funcionar ou que foi superado por algo novo e melhor é passado para trás. Assim, as pessoas envolvidas nos laços afetivos tornaram-se substituíveis.
Isso causou grandes transformações nas famílias. Percebe-se que o indivíduo possui cada vez mais liberdade e autonomia de decisão sobre suas ligações afetivas, ao mesmo tempo em que os laços podem ser mais frágeis e efêmeros. Atualmente, são muitas as configurações possíveis: famílias monoparentais, filhos adotivos, cônjuges homossexuais, crianças institucionalizadas (criadas, por exemplo, em abrigos), famílias tradicionais, cônjuges divorciados e que se casam novamente, tendo outros filhos ou assumindo os filhos do parceiro… São inúmeras as possibilidades de laço e ainda não se sabe o impacto, para as crianças, dessas relações que estamos vivendo. Tais possiblidades são muito novas e ainda é preciso pensar sobre elas e entendê-las de forma mais profunda.
O avanço da tecnologia também é algo a ser considerado ao se refletir sobre a infância. Além de levar em conta que o enorme e precoce contato com programas de TV, videogames e jogos eletrônicos tem impactos sociais, psíquicos e corporais a serem observados, vale também ressaltar que a capacidade das crianças com os aparelhos tecnológicos supera a dos adultos. Essa situação em que o saber do adulto é superado pelo da criança é algo novo na nossa história.
É impossível falar sobre um fato complexo, como a infância, de modo decisivo. Essa série de posts, longe de querer esgotar o assunto, permitiu um olhar sobre alguns aspectos desse momento de vida. Tais elementos podem nos ajudar a refletir sobre a forma como pensamos a criança hoje, auxiliando-nos a questionar práticas e visões.
Além disso, essa série pode contribuir para analisarmos o que aprendiam e aprendem as crianças, de forma direta e indireta, quando vivenciam determinadas relações no âmbito familiar e social, quando são vistas de um dado modo pelos adultos. Você já pensou que os contextos sempre informam, portanto ensinam? O que será que as crianças destas outras épocas aprendiam quando tratadas como pequenos adultos?