28 de março de 2016
Já pensou se duas princesas africanas visitassem as escolas contando sobre a importância da herança africana na nossa cultura? Que impacto isso teria no imaginário das crianças sobre ser negro?
A cultura brasileira é profundamente ligada a influências africanas. Isso está presente em nossa língua, nossa alimentação, nossa música, nossa tradição, nosso corpo. Apesar disso, o legado de quase três séculos de escravidão deixou profundas marcas em nossa sociedade. Entre elas, a discriminação racial e o preconceito, que ainda provocam grandes impactos no cotidiano e nas relações. Combater essas situações de violência e intolerância desde cedo é absolutamente fundamental para transformar injustiças e reduzir o abismo de desigualdade de oportunidades que existe no Brasil.
A Lei 10.639/03, em vigor desde 2003, foi um avanço nesse sentido, pois tornou obrigatório o ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas. Entretanto, ela é só um dos passos necessários para combater o preconceito e valorizar as contribuições da herança africana. Pensando nisso, Denise Teófilo e Raísa Carvalho*, cofundadoras do NEGRRA (Núcleo de Extensão em Gênero, Relações Raciais e Arte) na UFSCAR (Universidade Federal de São Carlos), criaram o projeto “Adeola”, voltado para crianças de 5 a 12 anos.
A proposta do “Adeola” é levar para dentro das escolas duas princesas africanas (representadas por Denise e Raísa). Parentes de ancestrais importantes da história da África – como a Rainha Nzinga, a Rainha Lucy e a primeira mulher do planeta, um fóssil de 3,2 milhões de anos descoberto na Etiópia – as duas princesas, Kambo e Funji, utilizam brincos mágicos que permitem viajar pelo tempo. Assim, as crianças e educadores são envolvidos pelo enredo de recortes históricos desde a Pangeia até os dias de hoje, como se os estivessem presenciando. A contação é acompanhada de oficina de turbantes, adereço equivalente à coroa que indica nobreza. Desta forma, todos podem tornar-se reis e rainhas.
Em entrevista à Revista Fórum, Denise compartilhou um pouco dos objetivos do “Adeola” e dos resultados obtidos até agora: “A proposta é trazer representatividade e empoderamento para as crianças negras, além de trazer conhecimento a todos, quebrando estereótipos correlacionados com o racismo, no que tange as relações de gênero e raciais. Tivemos ótimos resultados com as crianças, elas se encantam e ficam curiosas sobre como é a África, sobre a coroa, sobre as guerreiras, sobre nossa família”.
Apesar de toda a riqueza do projeto, ele ainda carece de apoio e financiadores para ser implementado de maneira mais ampla. A iniciativa é extremamente interessante, pois permite que as crianças se identifiquem diretamente com os personagens que lhe são apresentados. Além disso, embora as princesas sejam personagens inventados, as informações históricas são fruto de intensa pesquisa.
Para quem quer saber mais, Denise Teófilo disponibiliza seu e-mail: deniseoteofilo@gmail.com.
*Denise Teófilo (Princesa Kambo): Denise é empreendedora social, educadora, contadora de histórias e graduanda em ciências econômicas, desenvolve em seus trabalhos aspectos que tangem ao gênero e às relações raciais. No NEGRRA é uma das cofundadoras, lá desenvolve as artes digitais para as mídias sociais, pesquisa e também é cocriadora e responsável pelo desenvolvimento do projeto Adeola, que trata de afrobetizar crianças por meio de uma performance.
Raísa Carvalho (Princesa Funji): Envolvida com a negritude além dos espaços acadêmicos, expõe e explora sua história e a do povo negro como ferramenta política. Graduanda em Ciências Biológicas – Licenciatura, trabalha com Educação de crianças e adolescentes em projetos de Gênero e Sexualidade, integra o NEGDS (Núcleo de Estudo de Gênero e Diversidade Sexual). É cofundadora do NEGRRA, onde contribui por meio de pesquisas para elaboração de projetos e ações e criadora responsável pelo desenvolvimento do projeto Adeola.