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Casos e Referências

Talento, superdotação ou algo a mais?

7 de janeiro de 2019

O que pode estar por trás de crianças consideradas prodígios, que explicitam conhecimentos considerados muito além de suas possibilidades para a faixa etária?

Talento, superdotação, treino, experiência… É muito comum, em especial quando assistimos a vídeos como este abaixo, que essas palavras nos venham à mente.

O que pode estar por trás de cenas como esta? Será mesmo que todas as crianças que, como este menino, explicitam habilidades e conhecimentos impressionantes são superdotadas ou naturalmente talentosas? Há realmente casos em que a resposta é “sim”, pois há crianças que demonstram muita facilidade para aprender em campos específicos de conhecimento, tais como música, artes visuais, matemática, esporte etc. Vale, porém, levarmos em conta também outras possibilidades.

Em certos casos, tais aprendizagens estão atreladas às experiências sistemáticas vivenciadas pelas crianças, permitindo que aprendam e explicitem conhecimentos construídos a partir dessas vivências. Numa família em que os cuidadores principais da criança são músicos ou exímios apreciadores de música, é comum que desde cedo eles insiram a criança neste mesmo universo, colocando-a para ouvir música de forma sistemática, para interagir com instrumentos, aprender a tocá-los ou a cantar, levando-a a apresentações musicais e conversando sobre tudo isso. Essa criança pode aprender a tocar bem um instrumento muito antes de outra que não tem a mesma familiaridade com o mundo musical. Outro exemplo pode ser o de uma criança que vive próxima a adultos que são leitores vorazes, fazendo com que ela interaja com a literatura desde muito cedo e de forma intensa. Ela pode, sim, aprender a ler antes de outras da mesma idade.

Nos dois casos citados acima, o “segredo” das aprendizagens e habilidades das crianças que, por vezes, podem ser consideradas precoces, está na sistematicidade das experiências – vividas de forma lúdica e prazerosa – e na constante interação com um dado universo. Também entra em jogo o amplo interesse que a criança pode despertar pelo tema, o que gera maior disponibilidade para aprender mais. O desejo de ler livros sozinha, por exemplo, além dessa interação constante com a língua escrita, pode permitir que a criança tenha mais disponibilidade para aprender a ler.

De fato, boa parte das crianças que demonstram saberes “precoces” os construiu por este viés da multiplicidade e sistematicidade de interações. Muitos exemplos similares poderiam ser citados, envolvendo cálculos matemáticos, conhecimentos gerais (nomes de países, identificação de bandeiras etc.), línguas, esportes, artes, conhecimentos sobre o mundo natural, entre outros.

Há ainda situações em que as aprendizagens não são apenas fruto de interações e experiências, mas de treino: horas e horas de exercícios repetitivos e maçantes, por vezes em escolas especiais, com professores particulares ou monitorados por algum membro da família. Os conhecimentos e habilidades conquistados deste modo nem sempre se ajustam às demandas e características da infância. Quando a criança vivencia esse tipo de situação, tende a ter pouco ou nenhum tempo dedicado a brincar e a experimentar momentos importantes de ócio; experimenta menos interações com crianças da mesma idade (mantendo apenas aquelas restritas ao espaço escolar); pouco frequenta áreas livres, como parques e praças, e outros espaços como cinema, teatro etc. A pergunta que fica é se isso realmente vale a pena: se ao longo da infância não há espaço para brincadeira, por exemplo, quando haverá? Como fica o tempo de ser criança e as tantas experiências fundamentais ao desenvolvimento que ela poderia construir neste período? E, ainda, qual a relação que esta criança pode construir com o ato de aprender propriamente?  Se a criança fica centrada em apresentar excelência em um conhecimento específico, como terá oportunidades de descobrir outros potenciais que podem até interessá-la mais?

Além dessas questões sobre as quais importa refletirmos, é crucial considerar o interesse da criança pelo que é ofertado a ela cotidianamente: embora seja possível instigar um interesse por uma arte, como a música ou a literatura, por um esporte ou por curiosidades sobre animais, por exemplo, é preciso que a própria criança “compre” essa ideia e que queira investir parte de seu tempo em experiências envolvendo um dado universo.

Sobretudo, é preciso que os adultos nunca deixem de considerar o que é fundamental à infância. Vale ainda pensar que é valioso que cada criança construa seu próprio percurso no mundo, experimentando vivências das mais diversas em vez de focar na excelência em relação a algum conhecimento que pode apenas executar mecanicamente. Há um mundo de experiências e de aprendizagens possíveis que podem ser vividas e construídas ao longo de toda a vida, mas algumas delas são próprias da infância e realmente insubstituíveis.

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