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“Um ambiente de histórias”: o valor das narrativas na vida das crianças

27 de dezembro de 2017

O escritor moçambicano Mia Couto fala sobre sua experiência com a escuta de narrativas e sobre o valor que atribui a isso para a infância.

 

Em entrevista dada à Revista Brasileiros, o consagrado escritor chama atenção para o valor da escuta de histórias pelas crianças, especialmente quando narradas por outras pessoas. Dentre as razões para isso, o autor salienta a importância da relação interpessoal que se estabelece quando alguém conta uma história a uma criança, algo que a tecnologia não tem como substituir.

Mia Couto relata que sua proximidade com as narrativas teve início em casa, quando era ainda criança, por meio da oralidade. Possivelmente pela saudade do país de origem, nesse espaço doméstico – segundo ele “um ambiente de histórias seus pais, imigrantes portugueses, contavam e recontavam histórias vividas por lá e vindas de lá. Para Couto, essas narrativas foram suas “primeiras grandes viagens”, feitas num ambiente marcadamente afetivo.

A partir disso, ele aponta o valor que atribui a esse contato das crianças, desde cedo, com a narração de histórias feita por outras pessoas e não por vias tecnológicas, como o computador e a televisão:

RB: O senhor também mencionou o perigo de entregar a máquinas, como televisão, computadores e tablets, a tarefa de contar histórias às crianças. Por que isso é perigoso e como reencontrar o tempo para contar histórias?

MC: Acho que é perigoso porque esse contar de histórias não é simplesmente uma transmissão de alguma coisa que já está feita. No momento em que se conta a história a alguém, não há ali uma escuta mecânica, mas sim qualquer coisa que cria, sobretudo, a construção de uma relação entre pessoas e, obviamente, a máquina não pode fazer isso. A construção dessa relação interpessoal e do apetite por ela marca: é como se a história existisse só para criar essa rede, essa capacidade de estarmos juntos, de escutarmos, de sermos outros. Claro, há um momento em que a máquina pode estar ligada e cumpre a função de “anestesiar” a criança, mas falo é da ausência do resto. A máquina passa a ser a exclusiva ligação com a fantasia, e a criança é colocada desde o princípio só como consumidora de uma imagem que já está feita em definitivo e ela pode voltar e ver da mesma maneira mil vezes. Mas quando ela pede ao pai, à mãe ou a alguém que lhe conte a história, ela nunca é repetida completamente. Há ali uma recriação, e a criança percebe que esse momento a torna também criadora.

O autor ainda comenta que essa interação com as narrativas pode se dar por meio da leitura de livros, da contação de histórias da própria família, de seus livros favoritos, etc. Importa o momento de escuta, a proximidade com as histórias, com o outro, o conhecimento de várias versões (quando uma história é contada por distintas pessoas), a criação e a recriação que essa relação entre pessoas possibilita.

A criança nunca vive essa situação numa escuta passiva. Bem ao contrário, ela participa ativamente dela, ampliando seus conhecimentos sobre o mundo, sua relação com a linguagem e seus vínculos com o outro. Quando a interação com as narrativas fica centrada apenas em programas de TV, vídeos ou áudios, tem-se uma restrição da possibilidade da criança construir significados de forma compartilhada com quem conta ou lê.

Como já destacamos aqui, aqui, aqui, e agora também nesse post, boas razões para narrarmos histórias para os pequenos não faltam, não é mesmo?

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