28 de fevereiro de 2019
Palavras em chinês agora são ouvidas pelos corredores e em casa. A iniciativa foi da própria comunidade da escola.
“Zhou wei”, diz o mestre de Kung Fu, Adriano Ropero. “Xaauuê!”, respondem dezenas de crianças de 4 a 6 anos, em seus uniformes escolares da rede municipal de Educação de São Paulo, cerrando as mãozinhas em frente ao quadril.
Vai começar mais uma das duas aulas semanais da arte marcial que entraram na rotina da Escola Municipal de Educação Infantil Tenente Paulo Alves, na Chácara Inglesa, em São Paulo.
Todos os 200 estudantes, dos dois períodos da escola, fazem a atividade em grupos de duas turmas. Uma das alunas é a filha do professor. “Pai coruja, quis participar das reuniões para conhecer melhor. Logo na primeira, tinha um grupo de mães do Conselho de Escola que falava sobre buscar opções para trazer capoeira para as crianças. Na mesma hora, comentei que tenho uma academia de Kung Fu no bairro e estava à disposição”, lembra Ropero.
Nos meses seguintes, ele colocou a ideia no papel e ouviu as demandas da gestão da escola. O empurrão final veio em maio de 2018, quando a comunidade se reuniu para fazer a Avaliação dos Indicadores de Qualidade da Educação Infantil Paulistana e um dos itens questionava se as crianças tinham acesso a expressão corporal incluindo “danças, lutas e esportes”. Até então, a resposta para lutas era negativa, mas a diretora Mara Zago avisou que estavam para começar as aulas de Kung Fu, oferecidas gratuita e voluntariamente por um pai
“A melhor forma de avaliar o projeto é observar a expectativa das crianças para a chegada do Adriano e a alegria e interesse com que participam das aulas”, comenta a gestora. Palavras em chinês como “ma bu”, “gong bu”, “xie bu” e “pu bu”, passaram a fazer parte não apenas das aulas, como das brincadeiras no parque e das conversas com os pais em casa.
“Eu tenho um irmãozinho que assiste Power Rangers e sempre me empurra brincando de lutinha. Mas agora eu me defendo no ma bu”, conta Alice, de 6 anos, se referindo à “posição do cavalo”, em que mantém o equilíbrio. “Eu gosto de tudo, principalmente de rolar”, comemora Tomaz, de 5.
A serviço da educação
As professoras veem ganhos além da destreza. “Eu percebo que, desde que começou o Kung Fu, eles estão mais focados na sala de aula”, comenta Roberta Camargo Luchesi, que trabalha na unidade desde 2012. A colega Mariana Galleta, que trabalha na Emei desde 2013, também percebeu a diferença na concentração e acha que o esporte também ajudou em uma mudança cultural que deve ser perseguida. “Eles se envolvem muito e eu sinto que foi um passo na desconstrução de que só os profissionais da escola têm saberes que servem à educação.”
O mestre, por outro lado, viu a filha se interessar mais pela luta ao lado dos colegas. “Na minha academia ela não liga tanto, na escola, não perde uma aula.” Para o ano que vem, além de continuar com o projeto que o mantém na escola 4 horas por semana, ele pretende oferecer bolsas para os estudantes que deixam a educação infantil este ano.
Sua academia, a Shi Zhan, fica a três quarteirões dali. “Sei que alguns alunos adorariam continuar e eu também adoraria vê-los continuando. Já saí daqui chorando várias vezes, é emocionante ver a evolução deles.”
Experiências como essa são extremamente importantes para o desenvolvimento infantil e quando a parceria entre a escola e as famílias é real e produtiva, os ganhos são sempre das crianças.
Texto adaptado de: Centro de Referência em Educação Integral.