16 de outubro de 2017
Saiba como é fundamental permitir que as crianças se arrisquem e explicitem ideias sobre o funcionamento da escrita em seus processos de aprendizagem!
Acompanhar o crescimento dos pequenos em idade escolar é também testemunhar mudanças significativas em seus interesses, como o despertar para o desejo da escrita, por exemplo. Ao observar o mundo, que carrega códigos capazes de revelar tantas coisas, muitas crianças começam a alimentar uma enorme curiosidade a respeito do universo letrado, seja vendo placas nas ruas, pessoas mais velhas fazendo cheques, listas de compras ou cartas, lendo livros, entre outras situações cotidianas. Ler e escrever parecem ser tarefas relativamente simples e óbvias, mas englobam processos muito complexos e exigentes.
Dos 3 aos 6 anos de idade (mais ou menos, pois isso depende das experiências e interesses) as crianças começam a notar que certos “desenhos” com formatos característicos, correspondem às letras – algumas delas inclusive presentes em parte de seus nomes próprios ou de familiares/amigos queridos, as reconhecendo com maior facilidade. A princípio essa escrita se apoia na brincadeira, na imitação e na representação gráfica, e os pequenos vão explorando ludicamente superfícies como o papel, a areia, as pedrinhas, se acomodando com os materiais em diferentes direções, ritmos e texturas. De início, esses grafismos feitos pelas crianças mais se assemelham a um desenho, pois, para elas, o que conta mesmo é a intenção de registrar algo “por escrito”.
Aos poucos, também pelo contato sistemático com materiais de escrita, as crianças tendem a traçar letras ou símbolos muito semelhantes a elas, cuidando de diferenciar estes traçados de seus desenhos. Pode-se dizer que neste momento compreendem que escrita e desenho são sistemas distintos de representação.
Ao mesmo tempo, ao observar as interações que ocorrem em casa e na escola (com livros diversos, revistas, jornais, cartazes, listas, receitas etc.), as crianças vão aprendendo que a escrita serve para funções muito diferentes e que distintos tipos de texto são usados em diversas situações comunicativas. E é justamente pela ampliação dessas interações com a escrita em práticas sociais de comunicação, em especial no ambiente escolar, que as crianças realizam múltiplas análises e reflexões sobre as relações entre os sons representados pelas letras e suas combinações. É assim, por exemplo, que descobrem que uma parte de seu próprio nome – Mariana, por exemplo – está presente em outras palavras, como nomes de amigos da sala (Manuel, Mateus etc.) ou grafias que fazem parte de seu contexto cotidiano, como o mês de maio no calendário.
Gradualmente, de acordo com ritmos e processos individuais, cada criança vai descobrindo como esse sistema tão particular funciona e se apropriando da escrita convencional.
Tais aprendizagens precisam ser feitas sem pressa ou pressão, permitindo que os pequenos se envolvam profundamente no decorrer desse trajeto. E, sobretudo, é importante que sejam convidados a escrever rotineiramente, explicitando as hipóteses que possuem sobre como fazer isso. São essenciais as experiências que eles vivenciam com a escrita e a valorização de suas produções que, aos olhos de muitos adultos, tendem a ser vistas como “erradas”, já que a criança “ainda não sabe escrever”.
Muitos pais, adultos responsáveis e educadores podem se sentir impulsionados a corrigir esses “erros” infantis logo no início, mas devemos nos lembrar que para que que avancem é necessário deixar que se arrisquem e coloquem em jogo suas hipóteses, mesmo que as letras venham espelhadas, usem outros símbolos ou que desconsiderem a ortografia. Haverá um momento no qual essas regras virão à tona, mas exigir de maneira rígida que essa alfabetização se dê sem falhas poderá inibi-los e desestimulá-los.
Ao mesmo tempo em que os “erros” que aparecem ao longo do processo inicial de alfabetização cumprem um papel construtivo e, aparentemente, resolvem para a criança o problema de como escrever, também trazem para ela importantes desafios que instigam seus avanços. Conforme as crianças crescem e se desenvolvem em seus percursos de aprendizagem, a noção das regras ortográficas e a ampliação de seu universo linguístico virão a seu tempo.
É claro que caso dúvidas e indagações sobre como escrever determinada palavra partam das próprias crianças é válido responder ou até propor algum tipo de desafio para que elas pensem e formulem suas hipóteses sobre como acham que aquilo pode ser registrado.
Para proporcionar interações constantes com o mundo da escrita, os livros podem ser fortes aliados. As crianças, com as devidas oportunidades e por meio da interação de qualidade com adultos dispostos e engajados nessa aprendizagem, têm grandes chances de se tornarem leitores e escritores competentes, dominando a linguagem e suas situações de uso. Toda criança pode aprender, e aos adultos cabe fazer o possível para que elas atinjam todo o seu potencial no meio desse caminho que se constrói junto!
Obs. Foi por meio de uma ampla investigação feita por pesquisadoras argentinas na década de 70 que foi possível aos educadores compreender melhor o processo de apropriação do sistema de escrita pelas crianças. Esta investigação foi publicada no Brasil pela editora Artmed na obra intitulada Psicogênese da Língua Escrita, autoria de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky.