15 de abril de 2016
Conhece o filme “Kramer vs. Kramer”? Lançado há quase 40 anos atrás, ele ainda toca em questões profundamente atuais relativas à parentalidade. Saiba mais aqui!
“Kramer vs. Kramer” é um filme de 1979, dirigido por Robert Benton e estrelado por Dustin Hoffman, Meryl Streep e Justin Henry. O enredo nos apresenta à família Kramer: o pai, Ted, sempre ocupado com sua carreira e pouco disponível para a família; a mãe, Joanna, infeliz com as restrições de sua vida solitária como dona de casa e Billy, o filho de sete anos do casal.
Certo dia, Joanna, esgotada e deprimida, deixa o lar. Ted, então, precisa dar conta das demandas da casa, do filho e também de seu trabalho. Em meio a esse processo, Ted se disponibiliza a viver de forma mais comprometida a paternidade e revê suas escolhas e prioridades. Billy sente falta da mãe e se esforça para compreender sua ausência, mas também cria uma relação de amor e confiança com o pai. Depois de algum tempo, Joanna decide voltar e pedir a guarda do filho. Ted nega-se a se separar de Billy após todo o investimento que fizeram em criar um lar amoroso juntos e uma rotina doméstica. A família passa, então, por um processo judicial. Em meio a essas situações desafiadoras, mãe, pai e filho questionam os laços familiares, contrastando as expectativas sociais e suas vivências reais.
Apesar de já ter sido lançado há quase quatro décadas, as discussões que o filme explora são profundamente contemporâneas. Parentalidade, judicialização das relações, libertação da mulher e do homem de seus papéis sociais cristalizados, desmistificação da maternidade, percepções das crianças acerca da separação dos pais… Todos esses temas são abordados de forma sensível ao longo da narrativa, fazendo com que o espectador reflita sobre eles experimentando o ponto de vista de diferentes personagens. Neste post não pretendemos explorar todos os questionamentos que são trazidos à tona no decorrer da história, mas focaremos em alguns deles, relacionando-os com o momento atual.
Pensando, inicialmente, no sentimento de Billy quando Joanna vai embora de casa, percebemos uma sensação de confusão, frustração e tristeza. Para o menino é difícil compreender o que levou a mãe a deixar o lar e essa vivência é a princípio entendida como abandono. “O que levou uma das pessoas que mais amo no mundo e que cuida de mim todos os dias a ir embora? Será que sou culpado dessa situação? Não correspondi a alguma expectativa? Não me amava o suficiente para ficar? O que fiz algo de errado?”. Esses questionamentos, difíceis e dolorosos, muitas vezes são experimentados pelas crianças também em outras situações de separação. É importante que os adultos saibam disso, pois precisam ajudar a criança a compreender que o relacionamento dos pais é algo separado da relação com ela, deixando claro que não serem mais um casal não altera o amor que sentem como pais.
Outro aspecto que “Kramer vs. Kramer” nos convida a questionar é a parentalidade. O que é ser pai? O que é ser mãe? Será que todos os pais e mães devem se comportar da mesma maneira? Mulheres são melhores do que os homens para tomar conta de uma criança? Mães são naturalmente o principal cuidador de uma criança? Ou as referências afetivas são definida em função da relação da criança com um adulto? O filme conduz o espectador a desmistificar a maternidade, mostrando que as mães são seres humanos como todos os outros, com defeitos, desafios e interesses além da criação dos filhos. Acontece com frequência de algumas mães sentirem-se inaptas ou incapazes de desempenhar a maternagem, pelas mais variadas razões e contextos. Isso não quer dizer que elas são pessoas más ou desprovidas de afeto, mas que percebem que precisam de ajuda nesta tarefa para oferecer as melhores oportunidades possíveis ao filho. Pais, avós e outros cuidadores, independentemente de sexo ou ligação biológica, podem ser excelentes referências educacionais e afetivas, oferecendo um ambiente amoroso e consistente para que a criança se desenvolva em todo o seu potencial.
Compartilhamos, a seguir, uma das falas finais de Ted Kramer, representativa dos questionamentos que levantamos aqui.
“Se eu compreendo corretamente, o que é mais significativo aqui é o que é melhor para o nosso filho. O que é o melhor para o Billy. Minha mulher sempre dizia para mim: ‘Por que uma mulher não pode ter as mesmas ambições que um homem?’. Acho que ela tem razão. Talvez eu tenha aprendido isso. Mas, da mesma forma, eu gostaria de saber, qual é a lei que diz que uma mulher é mais apta a cuidar de um filho, apenas em virtude de seu sexo? Sabe, eu tive muito tempo para refletir acerca do que faz de uma pessoa um bom pai ou boa mãe… Sabe, tem a ver com ser consistente, com ser paciente, com ouvir a criança. Tem a ver com fingir que você a está escutando quando você não pode mais ouvir nada. Tem a ver com amor (…). E eu não sei onde está escrito que isto é reservado às mulheres, ou que um homem tem menos de qualquer uma dessas emoções do que uma mulher.
Billy tem um lar comigo. Eu fiz o melhor que pude. Não é perfeito. Eu não sou um pai perfeito. Às vezes eu não tenho paciência o suficiente porque esqueço que ele é apenas uma criança. Mas eu estou lá. Nós acordamos de manhã, tomamos café, ele conversa comigo e vamos para a escola. E, à noite, nós jantamos juntos, conversamos mais e eu leio para ele. E nós construímos uma vida juntos e amamos um ao outro.”*
Terminamos o post aqui, mas não as reflexões que o filme nos instiga a realizar. Assisti-lo pela primeira vez ou revisitá-lo, a partir da ótica atual, pode ser bem interessante para essas e tantas outras considerações. Deixamos também o convite para que pais e outros educadores nos enviem comentários levantando questionamentos suscitados pelo filme e pelas observações que fizemos.
*Trecho original, em inglês: “If I understand it correctly, what means the most here is what’s best for our son. What’s best for Billy. My wife used to always say to me: ‘Why can’t a woman have the same ambitions as a man?’ I think you’re right. And maybe I’ve learned that much. But by the same token, I’d like to know, what law is it that says that a woman is a better parent simply by virtue of her sex? You know, I’ve had a lot of time to think about what it is it that makes somebody a good parent… You know, it has to do with constancy, it has to do with patience, it has to do with listening to him. It has to do with pretending to listen to him when you can’t even listen anymore. It has to do with love (…). And I don’t know where it’s written that it says that a woman has a corner on that market, that, that a man has any less of those emotions than a woman does.
Billy has a home with me. I’ve made it the best I could. It’s not perfect. I’m not a perfect parent. Sometimes I don’t have enough patience because I forget that he’s a little kid. But I’m there. We get up in the morning and then we eat breakfast, and he talks to me and then we go to school. And at night, we have dinner together and we talk then and I read to him. And, and we built a life together and we love each other.”