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Uma reflexão sobre a medicalização na infância

23 de novembro de 2015

Têm se tornado cada vez mais comuns as prescrições de remédios psiquiátricos para crianças. São variados os motivos para a utilização de fármacos: agitação, agressividade, dificuldade de concentração, desobediência, timidez, oscilações de humor… Mas será que de fato esses comportamentos são sintomas? Ou será que são expressão da diversidade humana?

Em nossa sociedade, organizada em função da lógica de produção, torna-se banal encarar as particularidades individuais como um problema. Quando uma forma de agir ou de se expressar de alguém não combina com as expectativas do mundo do trabalho, encara-se isto como algo que precisa ser eliminado. Desta maneira, as relações vão se desumanizando, pois perdem sua característica humana mais essencial: a diversidade. A indústria farmacêutica beneficia-se disso, oferecendo soluções médicas para suprimir os indesejáveis efeitos da individualidade.

Sendo este nosso modelo social, não é surpreendente que isso esteja presente inclusive no dia-a-dia das crianças. Desta forma, muitas vezes, a família, a escola ou os especialistas (psiquiatras, psicólogos, fonoaudiólogos, etc.,  incapazes de lidar com a espontaneidade e o inesperado de suas crianças, optam por contornar essa indesejável situação transformando-a numa questão médica. Vale frisar que não falamos aqui de casos mais graves, nos quais a medicação pode ser de fato um auxiliar importante no tratamento, mas sim da banalização deste tipo de intervenção.

É bastante preocupante o crescente número de diagnósticos realizados na infância e na adolescência, pois este é um momento da vida em que a identidade ainda está em formação, bem como o sistema neurológico. Ressaltar uma característica de uma criança e utilizá-la para rotular e para explicar outras particularidades suas é uma forma de condená-la à posição de doente. Identificá-la por um aspecto negativo favorecerá que ela se reconheça a partir dele e construa sua personalidade em função disso.

Além disso, os medicamentos psiquiátricos que são prescritos às crianças – muitas vezes de forma indiscriminada – possuem diversos efeitos colaterais e podem causar sérias alterações no desenvolvimento neurológico. A Ritalina e o Metilfenidato, por exemplo, presentes em medicamentos contra o Transtorno de Déficit de Atenção (TDAH), ao agirem sobre o Sistema Nervoso Central, podem levar a convulsões, alucinações, ansiedade e ao chamado “efeito zumbi”, uma apatia constante.

O uso de fármacos na infância ainda é questionável por muitas vezes impedir que a criança crie recursos próprios para lidar com suas dificuldades. Assim, um garoto ou garota que não consegue focar sua atenção, por exemplo, não exercitará e desenvolverá essa capacidade, dependendo de medicação para atingir um estado de concentração. Como desdobramento, outras competências podem sofrer prejuízos, uma vez que os aspectos cognitivos, intelectuais, afetivos e psíquicos estão constantemente interligados.

Tendo refletido sobre todos estes aspectos, perguntamos: será que esperamos que todas as crianças sigam um modelo de comportamento que idealizamos? Estamos, de fato, conseguindo lidar com a diversidade de modos de ser?

Para saber mais:

Vídeo: Citiziens Comission on Human Rights: Psychiatry—Labeling Kids with Bogus ‘Mental Disorders’

Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade

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