8 de janeiro de 2018
Vale trazermos para perto a discussão dessa prática que vem se consolidando de maneira cada vez mais forte nas redes sociais.
Sabe aquela sensação desagradável que quando éramos pequenos nos acompanhava em muitos momentos ao vermos nossos pais mostrando vídeos ou fotos nossas em trajes peculiares, fazendo poses esquisitas ou que não queríamos jamais que tivessem saído das gavetas? Pois é, hoje em dia parece que este é um cenário ainda mais recorrente e difícil de escapar. Em matéria bastante pertinente publicada no dia 11 de junho de 2017 no jornal Nexo, alguns profissionais envolvidos com a temática da superexposição infantil na atualidade foram convocados a trazer, dentro de suas áreas de atuação, alguns tópicos relevantes para o debate.
Um jornalista da tecnologia do “The Wall Street Journal” deu ao fenômeno o nome de Sharenting, que seria uma junção de duas palavras norte-americanas: share (compartilhar) e parenting (termo ligado à concepção dos cuidados envolvidos na maternidade e paternidade). Essa união nada casual emergiu com a onda de postagens de fotos e vídeos desenfreada que traz a público boa parte dos momentos vividos no âmbito privado com a família, os amigos e pessoas próximas.
Esse desejo de dividir cada passo de nossas vidas com o mundo que nos cerca tem feito parte da vida contemporânea, que opera essencialmente com a imagem e a informação em tempo real como sua força propulsora. Com isso, acabamos preenchendo esses espaços com registros de situações das mais variadas e as crianças que estão intimamente ligadas à nossa história acabam entrando nessa dinâmica junto conosco.
Os efeitos podem ser tão bacanas quanto controversos. Poder partilhar o desenvolvimento de nossos pequenos com parentes e amigos que estão fisicamente distantes é mesmo incrível e, de alguma forma, os traz para perto desses marcos importantes. Além disso, ter esses registros guardados eternamente na memória digital é ótimo. As primeiras palavras, engatinhadas, idas à praia, banhos, brincadeiras engraçadas, o começo da vida escolar, entre tantas outras coisas são presenciadas e comentadas como se estivéssemos todos juntos no mesmo lugar. Mas a partir do momento que tais cenas extrapolam o limite do privado e alcançam pessoas que não fazem parte desse círculo íntimo, algumas questões aparecem.
Além dos conteúdos públicos ficarem na rede por tempo indeterminado, podendo vir mais tarde a constrangerem ou incomodarem essas crianças quando forem mais velhas, eles podem ser usados indevidamente por indivíduos que tenham acesso a esse material, como é o caso da pornografia infantil, que é aspecto sério a ser considerado, ou mesmo um aparentemente inofensivo meme. O direito à privacidade precisa ser levado em conta se refletirmos sobre o impacto que essa exibição sem a autorização infantil terá na vida dos pequenos.
Segundo Stacey Stanberg, advogada americana da Universidade da Flórida que publicou um artigo a respeito do Shareting (acesse-o, aqui, em inglês), em março de 2016: “Quando pais dividem informações sobre seus filhos na internet, eles o fazem sem o consentimento da criança. Esses pais agem assim como guardiões/protetores da história pessoal da criança e, ao mesmo tempo, como narradores/divulgadores da vida dela. Esse papel duplo na definição da identidade digital do filho deixa a criança desprotegida”.
Para essa advogada e outras instituições (como o “Alana”, por exemplo, em sua campanha sobre Criança e Consumo) que se dedicam a defender os direitos fundamentais da criança e do adolescente, novas leis precisariam ser pensadas a partir desse panorama para dar algum respaldo à integridade infantil. Além disso, seria de extrema importância que esse assunto fosse profundamente debatido em sociedade, a fim de que os adultos possam receber as orientações necessárias para fazerem escolhas mais conscientes a respeito do compartilhamento digital. Pensar sobre essa vida futura como um livro aberto que não pode ser filtrado nem contado ao seu próprio modo pode ser um norte para começar a guiar nossas atividades virtuais. Mas o caminho é longo e muito ainda precisa ser discutido para se contemplar a infância plena e segura.
E você? O que pensa sobre isso?