8 de novembro de 2019
Conheça duas obras do autor Shel Silverstein que abordam a incompletude.
Há bons livros de literatura infantil que não são escritos exclusivamente para crianças. São apreciados por elas, mas também falam com nossos mais profundos sentimentos, encantando a todas as idades, podendo tocar diversos públicos de maneiras diferentes, dependendo das experiências de cada leitor. Basta relembrarmos o exemplo clássico do Pequeno Príncipe.
O poeta, compositor, escritor e ilustrador de livros infantis Shel Silverstein (1930 – 1999) é um dos artistas conhecidos por trazer à tona esses sentimentos. Sua primeira publicação para as crianças foi “Leocádio, o leão que mandava bala”. A partir daí, criou vários títulos para o público infantil. Apresentaremos duas de suas obras que têm conquistado muitos corações: “A parte que falta” e “A parte que falta encontra o Grande O”.
A parte que falta
(Texto e Ilustrações: Shel Silverstein / Editora: Companhia das Letrinhas)
Por meio de sua poesia sensível, com pouco texto e ilustrações com traços simples e sem pintura, o autor aborda neste livro a busca pelo autoconhecimento e pela completude. O protagonista é um ser circular, que se sente infeliz por lhe faltar uma parte. Ele sai a procura de preencher esse vazio e, nessa busca, descobre o mundo ao seu redor, apreciando as pequenas coisas do cotidiano, como sentir o aroma de uma flor. As relações que estabelece fazem também com que ele descubra mais sobre si mesmo.
No caminho, encontra um pedaço que parece se encaixar nele, só que esta pequena parte diz que é completa e que não pertence a ninguém. Ao continuar sua busca, se depara também com muitas outras partes, algumas grandes ou pequenas demais, outras pontiagudas ou muito quadradas, até que esbarra com um pedaço que parece lhe preencher perfeitamente. Mas quando a parte se encaixa e ele se torna completo, acaba rolando rápido demais e não consegue mais parar para apreciar as pequenas coisas da vida, nem sequer cantar, algo que tanto gostava de fazer.
O autor provoca uma profunda reflexão nos leitores, relacionando a sensação de completude à felicidade desde o início da obra com a frase: “Faltava-lhe uma parte. Ele não era feliz”. Seu livro é um reflexo da nossa época, que é cheia de contradições, de tantos excessos e, ao mesmo tempo, de tanta falta. Shel Silverstein sintetiza um problema que é vivido por todos nós: a incompletude que sentimos em muitos momentos da nossa vida, um sentimento de falta e vazio com o qual temos de lidar, de um jeito ou de outro.
Mas o autor não se limita a isso. Em suas várias camadas de leitura, a história nos convida a muitas interpretações. Nos faz pensar sobre a busca incessante que realizamos para obter a tão estimada felicidade, que, por vezes, acreditamos estar em algo ou alguém, mas que nem sempre proporciona esse sentimento de completude. O autor problematiza também que essa procura pode nos impedir de apreciar as simplicidades da vida, que, ironicamente, acabam proporcionando muita alegria.
O livro propõe também uma reflexão ao apresentar a pequena parte que diz ser completa e não precisar de ninguém, abordando o erro de acharmos que a completude se alcança com o outro e ressaltando que a felicidade que sentimos não depende necessariamente de outra pessoa. Não é apenas a presença de alguém que nos fará sentir completos.
A parte que falta encontra o grande O
(Texto e Ilustrações: Shel Silverstein / Editora: Companhia das Letrinhas)
Na continuação do clássico “A parte que falta”, Shel Silverstein provoca mais uma sensível reflexão sobre amor-próprio e a completude. Nessa obra, conhecemos mais de perto a parte que falta, que, após ser abandonada pelo ser circular, no livro anterior, quer encontrar alguém que ela possa preencher para que consiga rolar e conhecer o mundo. Mas muitos seres não sabiam nada sobre encaixe, outros tinham muitas partes faltando e alguns nem sequer podiam rolar.
Depois de muitas tentativas frustradas, ela encontra o encaixe perfeito, mas a parte que falta começa a crescer sem parar e essa experiência dura pouco. Até que conhece o Grande O, uma forma que parece muito diferente por não lhe faltar nenhuma peça. Ele compartilha um grande ensinamento: ela poderia rolar sozinha, porque “pontas se desgastam” e “formas mudam”. Seguindo seu conselho, a parte que falta consegue desgastar suas bordas e se tornar um ser circular, que pode rolar. Ao final, o Grande O surge novamente, e, assim, os dois são vistos rolando lado a lado.
Neste livro infantil para todas as idades, os leitores terão a oportunidade de refletir sobre como podemos nos transformar e desenvolver nosso amor-próprio, tão necessário para o nosso crescimento pessoal, já que todos podem “rolar” por si mesmos em suas jornadas, descobrindo-se inteiros e compreendendo que o amor é uma forma de compartilhar daquilo que se tem e não uma resposta para o vazio que sentimos.
A obra pode nos levar a pensar também que, como em qualquer relacionamento, quando um começa a crescer e o outro se mantém estático as coisas acabam em desapontamento. Assim, fica claro que não precisamos de ninguém para nos completar, mas sim alguém que nos acompanhe, caminhando junto numa mesma direção.
Para conhecer essas e outras indicações, procure os títulos em uma biblioteca próxima ou, se preferir, é possível adquirir os livros nos links abaixo: